9 de outubro de 2011

Amor como bem de consumo.

Ultimamente andei tendo devaneios sobre o que é amor, o que entendo como amor e como isso se dá através de uma relação. O fato é que esse tema me chama muito atenção, visto que o motivo principal de eu chegar onde cheguei é ser justamente o amor: o motor que move o meu corpo, os meus pensamentos, a minha vida. Apesar de ser grosseiro, invocado e muitas vezes estúpido, eu sou um cara romântico, e essa temática volta e meia aparece no meu plano de ideias. O único referencial bibliográfico utilizado nesse post é o texto do José Moura Gonçalves, que não fala diretamente do amor, mas me levou à reflexão do assunto. Não fiz nenhuma pesquisa mais afundo, logo, essa postagem é tão somente minha opinião (não definitiva) sobre o amor com base na analogia do texto e com minhas experiências e observações amorosas. Então, vamos à postagem!

Após ler o texto “McDonald's: o olhar a-m-nêmico”(GONÇALVES, José Moura. In: O Olhar. NOVAES, Adauto, 1988.p. 113-124.), comecei a refletir um pouco sobre o tema amor e consumo/consumismo. O texto fala sobre como a McDonald's Corporation se apropria dos lugares e suas memórias e simplesmente transforma-os em estações de consumo. Abaixo um trecho do texto que exprime bem isso:

As torres sonoras de pequenas igrejas, a imponência da matriz ou dos teatros municipais, as casas destacadas pela originalidade... vai-se substituindo, em sua tarefa simbólica, pelos mastros luminosos McDONALD'S HAMBURGERS – DRIVE THRU que, sem largueza subjetiva, remetem apenas à notificação de mais uma estação de consumo.”(p. 113,114.)

Vamos então fazer um paralelo com o texto, porém, ao invés de trabalharmos com o McDonald's, vamos trabalhar com um de seus objetivos: o consumo. Me falta referencial teórico/bibliográfico para fazer uma análise mais elaborada sobre consumo, contudo, acredito que ele esteja presente em quase todas as nossas manifestações, desde comprar uma camiseta, até se apaixonar por alguém. Assim como o McDonald's transforma um lugar em apenas mais uma lanchonete, o consumo, por sua vez, transforma conceitos como felicidade e amor nele próprio. Somos orientados, desde nossa infância à consumir. Consumir para ser feliz, para nos tornarmos únicos, completos. Mas, e se, de alguma forma, nós naturalizamos esses conceitos deturpados de felicidade e amor? Já faz algum tempo, a marca de chocolates Garoto veiculou um comercial para o bombom Serenata de Amor que falava sobre a fórmula da paixão:

"Segundo alguns psicanalistas, quando se apaixona, você não se relaciona com alguém de carne e osso, mas com uma projeção criado por você mesmo; e a projeção que fazemos é de um ser absolutamente perfeito. Mas depois de um período a projeção acaba e você passa a enxergar de verdade a pessoa com quem você está se relacionando. Invariavelmente, algumas virtudes do parceiro ou da parceira vão embora junto com a projeção, outras ficam. Se o que ficou de cada um for suficiente para os dois, a relação perdura, caso contrário... Ninguém sabe o que faz o botãozinho ligar e iniciar uma nova projeção, mas fortes indícios apontam para um único e delicioso suspeito, o Serenata de Amor."

Depois que li o texto do Gonçalves e fiz esse paralelo com a temática do amor e consumo, esse comercial me veio em mente. Se usarmos essa propaganda como referencial de paixão, então, quando nos apaixonamos, criamos uma projeção sobre uma certa pessoa (ou pessoas) e nos relacionamos com ela(s). Mas, caso seja dessa forma, então na verdade nossa relação seria nada mais, nada menos, que o consumo da nossa projeção. E consumimos com vontade, pois é o consumo que nos torna mais felizes, únicos e completos. Entretanto, como no mercado consumidor, somos cada vez mais instigados a consumir algo por um certo período e depois descarta-lo. Sendo assim, chega o momento que vence o prazo de validade da nossa projeção, e aquela relação (consumista que nos completava) deixa de ser tão doce como era, e ao longo do tempo vamos nos sentindo mais vazios, e por fim descartamos aquele alguém(s) – ou somos descartados. Aí começa outra etapa da nossa vida amorosa, que é o preparo para outra projeção, ou seja, nos preparamos novamente para consumir e ser consumido. Nesse ponto, acho interessante mencionar outro trecho do texto:

“As mesas metálicas, plásticas ou marmóreas, recusam qualquer fissura, arranhão ou manchas… logo seriam reparados pela reposição de idênticas placas de coberturas...”
...tudo nos afasta do contato com as rugosidades e falhas das madeiras ou das pedras. Como se não fosse suficiente... vão selando a impaciência contemporânea das crianças vorazes ante tudo que parece vulnerável, feio, incompleto, desarmonioso: impaciência ante os velhos, os loucos, os cegos, os surdos, os coxos; em seu desdobramento narcísico, impaciência ante a dificuldade, ante o desacerto, ante a ignorância, ante a crise, a doença, o desencontro, a arte; em seu desdobramento ideológico, impaciência ante a mulher, ante o negro, ante o índio, ante o trabalhador braçal.”(p. 115,116.)

Vamos nos ater ao primeiro trecho. Normalmente quando terminamos um relacionamento, dependendo de como e com que intensidade ele tenha sido, após a fase da frustração pela projeção desfigurada, iniciamos um novo processo em nossa vida. Começamos a olhar para os lados e a nos preocupar mais com a aparência. E aí vêm a maratona: dietas “infalíveis”, academias, cirurgias (pra quem pode, é claro), baladas, bebedeiras, muita “curtição”... até surgir a nova projeção. Mas não basta dar uma repaginada. Nós (o produto) temos uma propaganda padronizada na franquia do amor: devemos parecer ser brancos, olhos claros de preferência, com dinheiro ou status, magros e felizes, como se nada nos atingisse ou alcançasse. Esse é o comercial ideal para estar na disputa do mercado amoroso. Aquele que não consegue ou se nega à essa propaganda logo é descartado e excluído do mercado.

Acho que agora posso falar das minhas experiências catastróficas. Como eu sou romântico e acredito com todas as forças no amor, eu encontrei pessoas que me despertaram projeções. Algumas eu consegui me relacionar, outras tentei mas não deu e outras eu nem sequer me atrevi. Mas em todas elas, depois de algum tempo, fui perdendo a vontade de acordo com o correr dos acontecimentos, e principalmente, com o patrolamento das minhas projeções. Sempre me disseram que eu tinha uma cara-metade, o outro pedaço da laranja, a tampa da minha panela, etc etc etc. Mas nunca me disseram como eu devia amar. Talvez por ser um conceito um pouco mais pessoal que cada um vai construindo ao longo do caminho que trilha. Mas, como não sabia amar, o que fiz foi consumir os meus desejos. Consumir pra ser feliz e completo. Porém, no fim de cada relação, eu estava me sentindo cada vez mais vazio.

Qual o problema do amor como consumo? Como disse antes, ma falta um conhecimento maior do tema, mas a ideia de consumo vem relacionada à satisfação, à recompensa. Quando amamos (no sentido consumista) e nossas projeções caem por terra, nos sentimos mal, não correspondidos, insatisfeitos, e com vontade de pular fora o mais rápido possível para consumir alguém que corresponda aos nossos desejos. Esse tipo de relação nada mais é que um jogo de interesses egoístas que, acredito eu, destroem o que poderia ser uma relação verdadeira, de amor e respeito verdadeiro. Nesse amor de consumo, não há entrega, compromisso com o(s) outro(s), só consigo mesmo. Somos estimulados a cada vez mais buscar a felicidade de nós mesmos em primeiro lugar, para depois os outros, quando na verdade seria justamente o contrário que nos tornaria mais felizes de fato. E aqui acho pertinente dar um outro significado ao termo “amor romântico”: o “amor romântico” seria o amor, no sentido mais puro e verdadeiro possível.

E eu levanto essa bandeira do amor romântico. Eu quero aprender a amar as pessoas sem interesse algum, poder me doar e me comprometer com quem amo, sem que minhas projeções e egoísmos destruam minhas relações. Seja numa relação monogâmica ou poligâmica, numa relação homo afetiva ou hétero afetiva, numa relação inter-racial ou de classes diferentes, amem verdadeiramente as pessoas que se relacionarem com vocês! Não consumam as pessoas, não esperem uma recompensa, antes disso, se doem, comprometam-se com aqueles que vocês consideram importantes pra suas vidas. Lembrem-se que a verdadeira felicidade, só é atingida, quando partilhada!